Jose Joya, "Male Nude 2", Pastel on Paper, 48 x 33 cms., 1991
canção de todos os diascom um aperto no pau e um beijo no coração:
é assim que eu cumprimento quando ele está dormindo.
o menino carpinteiro começa antes o dia
quando a boa ferramenta está no alcance da mão.
quatro metros de carpete e um pedaço do colchão,
não precisa mais que isso pra fazer um mundo inteiro.
quem tem deus no travesseiro não sonha mudar de endereço,
quem na regra se exaspera, que prospere na exceção.
meu braço de lenhador, meu abraço de leão,
o peso dele é o barco onde eu faço a travessia,
o bom herói o bom urso de manhã nos inicia
e de noite nos vigia contra a aniquilação.
um lençol no coração e um tapete na barriga:
é assim o movimento do pé deitando no chão.
é assim que o abajur aprende vozes do livro,
como o som do peito dele instrui a respiração.
pra quem tem uma certeza não precisa explicação,
é triste estar com o sol e não mostrar pra ninguém.
o traço do meu sorriso traz o nome dele escrito,
o que me fazia confuso agora me faz sentido.
com um pedaço de pau e um aperto de mão:
é assim que eu me despeço de pessoas urubu,
com essa espada eu protejo a entrada do apartamento,
e com ela eu aproveito a entrada do meu cu.
eu escrevo este poema enquanto faço feijão,
não quero dividir a vida com a sua divisão;
a proximidade dele é o centro da alegria,
pra quem tem um pinto amigo não lhe falta inspiração.
Rafael Mantovani nasceu em São Paulo. É também tradutor e publica no blog http://mantovanimantovani.blogspot.com